17/05/2009

Todas as pessoas poderiam ser assim

Outro dia, esperando o metrô (o que faço todos os dias) sentido vila madalena (o que faço às sextas, sábados e domingos), reparei numa moça, parada na minha frente, que lia um livro (até então eu não sabia que de que livro se tratava) estusiasmadamente. Eu, como qualquer metroviária(o) tentava ler por cima de seu ombro, com o simples intuito de saber o que era assim tão excitante para a moça, afinal ela estava lendo em voz alta (num volume baixo, mas as pessoas em volta conseguiam escutar). O metrô estava demorando, como geralmente acontece aos sábados e deu tempo de ler e saber que se tratava do livro de poesia "Cancioneiro" de Fernando Pessoa (ele mesmo), que eu, por sinal, gosto muito. Já que se tratava de uma boa leitura continuei lendo por cima de seu ombro. Não sei se por meu pescoço ser longo (sou uma pessoa alta e pessoas altas geralmente têm pescoços longos) ou se me empolguei demais na leitura (afinal era Fernando Pessoa, ele mesmo), só sei que a moça percebeu meu esforço, se virou prá mim e disse "lê isso comigo" e começou a ler em voz alta (agora mais alto) o poema que ela estava antes lendo prá si. Eu li e entendi o motivo de seu entusiasmo. Ela terminou a leitura e disse "eu amo poesia". Eu não disse nada, mas eu também, amante da poesia (e de muitas outras coisas), senti vontade de compartilhar meus amores com alguém. Depois disso o metrô chegou, ela entrou, eu entrei e a quantidade de pessoas dentro do vagão não permitiu que eu continuasse a leitura. Me fez um bem essa moça. E eu queria que muito mais pessoas fossem assim, por que daí, talvez, a gente conheceria muito mais coisas legais e pessoas legais.

O poema que ela lia era esse:

Ela canta, pobre ceifeira

Ela canta, pobre ceifeira,
Julgando-se feliz talvez;
Canta, e ceifa, e a sua voz, cheia
De alegre e anônima viuvez,

Ondula como um canto de ave
No ar limpo como um limiar,
E há curvas no enredo suave
Do som que ela tem a cantar.

Ouvi-la alegra e entristece,
Na sua voz há o campo e a lida,
E canta como se tivesse
Mais razões pra cantar que a vida.

Ah, canta, canta sem razão!
O que em mim sente ‘stá pensando.
Derrama no meu coração a tua incerta voz ondeando!

Ah, poder ser tu, sendo eu!
Ter a tua alegre inconsciência,
E a consciência disso! Ó céu!
Ó campo! Ó canção! A ciência

Pesa tanto e a vida é tão breve!
Entrai por mim dentro! Tornai
Minha alma a vossa sombra leve!
Depois, levando-me, passai!

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